O Samba e a Mulata
- Carlos Vieira de Toledo
- 31 de mar. de 2016
- 2 min de leitura

Ao ríspido feitor, a sanha sensual,
Incita sem querer a pobre criatura,
Que mísera se vê sem outra conjuntura,
Senão condescender.
Júbilo ardente,
Mágua inclemente,
Tu és saudade
Contraditória.
Pois na alegria,
És merencória,
E na ansiedade,
És euforia.
Vens de além mar,
Vais para além mar,
Levas-me lá,
Deixas-me cá.
Na angústia extrema,
Meu coração,
Vive o dilema,
Sentir-te ou não.
Guitarras plangentes,
Em tons lascinantes,
São fados dolentes,
São ternas canções.
E o luso cantando,
Com máguas constantes,
A pátria evocando,
Nos longos serões.
Se eu voltar,
Bem sei saudade,
Comigo irás,
Coabitar.
Então de lá,
Tu me farás,
Com que saudade,
Lembrar de cá.
Na taba o bugre indolente,
De caça e da pesca vive,
E nada há que o cative,
Senão o canto punjente.
Iemanjá,
De minha ígara,
Por meu ojá,
O rumo ampara,
E por xangô,
Iansã que os ventos
Brandos e lentos
Levem nagô.
Já sofri tanto,
Zâmbi, protege,
O triste banto
Lá no teu peji.
Em torno às fogueiras,
O negro pulando,
Nas danças guerreiras,
Do seu candomblé.
Os rudes tambores,
Sonoros vibrando,
Juntando clamores
E brados de fé.
Oubatalá,
Iansã, Xangô,
Iemanjá,
Salvai nagô.
Ogundelê,
Por zâmbi dê,
Ao teu nagô,
Seu banguê.
De longe o bugre observa,
Costumes iguais aos seus
E por Tupã, por seu Deus,
Os mesmos ritos conserva.
Ermas, sombrias
Selvas nativas,
De afetivas
Recordações;
Embevecias
A minha vida,
Quieta e querida,
Nos teus sertões.
Não voltarei,
Pois aquilo vivo
Triste e cativo,
De jugo henril.
Mas saberei,
Mesmo penando,
Viver amando
Este Brasil.
As negras sotainas,
Em nome da cruz,
Nas lutas e fainas,
Vencendo os ateus,
Ao bugre, ao mestiço,
Ao negro, ao cafuz,
Ao povo remisso
Tornando de Deus.
Deus, Pai Eterno,
Seja eviterno
O dom da graça
Por vossa lei.
E minha raça
Livre fazei,
Livre também,
Para sempre amém.
A nova fé que reluz,
No espírito contrito,
O bugre cede convicto,
Fazendo o sinal da cruz.
Arriba e Espanha,
No império imenso,
Grácil peanha
De minha fé.
E “pola ley
Y pola grey”,
No amor intenso,
Arriba, olé.
Uníssona grita
Da alma espanhola
Que vibra e se agita
Formando o chimfrim.
Num ritmo ardente,
É “a castanhola”
Que torna silente
A mágoa sem fim.
Fragmentado
Jaz o império,
No solo ibério
Serei feliz?
Mais acertado,
Creio não há,
Este será
O meu país.
O bugre não se contém,
A taba deixa apressado,
E nas rodas do bailado,
Solerte entra também.
O banzo e a saudade,
O negro e o candango,
Dorida ansiedade
Nas mágoas uniu;
Juntando aos camdombés
O fado e o fandango,
Não houve hecatombes
E o samba surgiu.
Então, no carnaval,
Gingando nos cordões, com graça que arrebata,
Gentil e sensual, és tu, és tu mulata,
Na arte de sambar, a glória nacional.
[1] NOTA: Iemanjá - ou o próprio mar.
Ojá – Fetiche dos candomblés, que consta de uma faixa ornada de contas e conchas.
Xangô – Nome de um orixá dos mais poderosos; o mesmo que macumba, candomblé, terreiro.
Iansã – Orixá feminino que preside aos ventos e as tempestades, mulher de xangô.
Zâmbi – Divindade principal do culto banto.
Pegi – Santuário das divindades do candomblé.
Banto – Indivíduo da raça sul-africana a qual pertenciam os pretos escravos chamados no Brasil angolas, cabindas, benguelas, congos, moçambiques.
Nagô – Diz-se de uma casta de negros do grupo sudanês; o mesmo que iorubano.
Oubatalá – Ídolo Hermafrodita dos negros da Bahia.
Ogundelê – Orixá que preside as lutas e as guerras.
Banguê – Padiola de conduzir cadaveres de pretos, escravos.
留言